Toda a gente sabe que os provérbios reflectem o carácter dum povo. Os nossos provérbios não fogem a essa regra. Vejamos o que se passa com o conhecido provérbio (bordão, sentença, lema) puxar a brasa à sua sardinha. Tenta-se aí exprimir a ideia de que cada um coloca-se à frente dos outros e persegue o seu interesse. O seu interesse é representado no provérbio pela sardinha. Ora, sempre me fez impressão que o provérbio não funcionasse ao contrário. Isto é, em vez de cada um puxar a brasa à sua sardinha, porque é que não empurra a sua sardinha para as brasas que lhe convém mais? O resultado seria o mesmo, continuaríamos a privilegiar o nosso interesse e a tê-lo apenas em conta. Mas da mesma maneira que a afirmação todos os homens são mortais não equivale à outra parecida que afirmaria que todos os mortais são homens, também neste caso das sardinhas e das brasas, as coisas não se equivalem. É que ao empurrarmos a nossa sardinha para as melhores brasas não conseguiríamos outro objectivo presente no provérbio. Isto porque o português, quando puxa a brasa para a sua sardinha, não está apenas a preocupar-se com a sua sardinha, isto é, com o seu interesse. Ao puxar a brasa para a sua sardinha está, também, a tirar essa brasa à sardinha dos outros. Terrível conclusão: o português não pensa apenas em si; também pensa nos outros, isto é, adora vê-los ficar para trás, escorregar na casca duma banana ou afundarem-se à sua frente. Ou, enquanto se lambuza com as sardinhas, empanturra com broa e ergue o polegar gordurento para dizer que estão óptimas, ver os outros infelizes nunca mais assarem a sua sardinha.
Sem comentários:
Enviar um comentário