29/07/2009

A fila dos assim-assim apresenta-se...

Na escola primária de antes do 25 de Abril de 1974, as turmas separadas por sexos, dispunham-se por filas. Normalmente havia três filas de carteiras, cada uma com um par de alunos. Era o professor que definia quem é que estava em cada fila, porque a distribuição pelas filas seguia um critério meritocrático: havia uma fila para os melhores alunos, outra para os piores e outra, no meio das duas, para aqueles que tinham deixado de ser bons ou que queriam deixar definitivamente de ser maus (ou não cair no vale dos maus!). E, finalmente, a fila dos assim-assim. Esta era a fila do meio. Enquanto a fila dos bons estava, normalmente, junto das janelas e a fila dos maus ficava encostada à parede, na zona menos iluminada, a fila do assim-assim situava-se na zona do sol e sombra, uma zona intermédia entre a glória e a desgraça. Ser menos bom ou menos mau é ser assim-assim, algo à espera de melhor definição. Veja-se que quando se associa um gesto com a mão à expressão ‘assim-assim’, faz-se um gesto oscilante, indicando precisamente a ideia de que nem se está nem bem, nem mal. É esta indefinição, esta constante oscilação para um lado e para o outro que caracteriza o estar assim-assim.

A fila dos assim-assim ocupava, normalmente, o mesmo espaço que as filas dos bons e as filas dos maus. O que era habitual nas nossas salas de aula das escolas primárias eram três filas de carteiras duplas, pelo que havia sempre igual número de alunos em cada fila. Se alguém mudava de fila, isso fazia-se sempre por troca com alguém. Passar da fila dos assim-assim para a fila dos bons, implicava uma despromoção de alguém das fila dos bons para a fila dos assim-assim. A alegria de alguém era sempre acompanhada pela tristeza de outro. Nestas salas reinava o equilíbrio: no número de alunos por fila e no índice de alegria e tristeza por sala. O nível das emoções e dos sentimentos mantinha-se estável, como se as filas fossem vasos comunicantes. Nunca havia um excesso de alegria, nem de tristeza. A sala de aulas e o seu ambiente estavam dominados pelos valores do assim-assim. Esta sobredeterminação do meio circundante pelos valores assim-assim acabará por influenciar a nossa personalidade colectiva. Ao longo das décadas, a fila dos assim-assim foi o nosso destino, o nosso lugar mais certo, mais aconchegante, mais pacífico, menos conflituoso. A nossa ambição e os nossos projectos auto-limitaram-se por esse paradigma da fila dos assim-assim que se instalou no nosso inconsciente colectivo.

Iremos provar que a nossa História, a mais antiga e a mais recente, a dos reis e a dos primeiros-ministros, acabou por constituir um ambiente favorável à conservação e desenvolvimento do ser assim-assim; que o paradigma da fila dos assim-assim favoreceu também a reprodução política daqueles regimes, bem como o surgimento de um estado de espírito e duma maneira de ser que formaram a nossa mais peculiar maneira de ser.

Nos tempos que correm, nesta mediania dourada que nos anestesia, nestes dias abafados duma falsa alegria, ser assim-assim não é bom, nem é mau. É assim-assim.

1 comentário:

  1. O penúltimo parágrafo sinaliza um programa deveras ambicioso ("iremos PROVAR que a nossa História...", etc.) - ou trata-se apenas de uma forma de expressão de inadvertido entusiasmo e de calor retórico? Que fazer a quaisquer figuras notáveis da nossa história ("bons alunos, maus alunos") que um visitante aponte? Negar a sua (eventual) importância ou visibilidade, para não beliscar a verdade do propósito (afirmado no penúltimo parágrafo)...?
    Apesar desta reserva crítica, gosto da ideia motivadora global do blog.

    Paulo Lopes

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