29/11/2009

Armar ao pingarelho

Desde sempre, ao longo da nossa História, mas com mais intensidade a partir da subida dos liberais ao poder no século XIX, que Portugal e os governos de Portugal, quiseram botar figura no concerto das nações. Esta necessidade crónica de armar ao pingarelho, de dar uma passada maior que o chinelo, só nos podia custar caro. Os custos do parecer sempre foram mais elevados que o preço de ser.
Foi a necessidade de acompanhar o futuro grupo das nações vencedoras e poder sentar-se na mesa das negociações após o fim da Primeira Guerra, que nos levou a partir para a Flandres, deixando depois alguns milhares de homens para trás, mortos e feridos, gaseados e infelizes. Participámos na Primeira Guerra porque nos deleitámos antecipadamente com o prazer de Portugal integrar o grupinho civilizacional que decidiria os destinos do mundo. Hoje, por exemplo, o projecto do TGV também vive dessa paranóia de armar ao pingarelho: Sócrates recorda-nos várias vezes como seria vexante que o progresso, montado na linha de alta velocidade, tivesse que mudar de comboio em Badajoz, quando quisesse entrar em Portugal. Essa possibilidade terrível tem que ser definitivamente afastada, sob pena de os europeus olharem para o nosso país, como nós olhamos para a Albânia ou para a capital do Burundi. Os portugueses sempre gostaram muito de armar ao pingarelho. Também se pode dizer que gostam de armar aos cucos ou armar aos cágados. Porém, armar ao pingarelho tem uma particularidade interessante. O pingarelho remete-nos para uma armadilha de apanhar aves. O pingarelho é um elemento central dessa armadilha, um arame fino dobrado num nó e que permite que a haste metálica da armadilha, impulsionada por uma mola, cumpra a função de aprisionar as pobres aves. Só que muitas vezes, é o próprio caçador a experimentar a crueldade do dispositivo que está a montar. Nesse caso, também se pode dizer que armou o pingarelho, ou melhor, virou-se o feitiço contra o feiticeiro.

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